Quando pensei em escrever sobre esse assunto
imaginei que seria fácil… Mas eu estava enganada.
Comecei narrando em terceira pessoa, como se não
fosse eu a personagem principal dessas memórias. Aquela menina, da primeira
versão do texto, era anônima porque vivia anestesiada. Até que, conforme fui
escrevendo, fui partilhando essas histórias com pessoas conhecidas, e fui
empurrada de narradora para protagonista. Até quando eu e todas essas mulheres
terão nomes fictícios? Agora, definitivamente, esse texto é sobre mim e outras
mulheres.
Ouvindo os relatos de algumas amigas que passaram
pelas mesmas coisas, a impressão que dava era que tínhamos morado na mesma
casa, tínhamos os mesmos pais e o mesmo impulso incontrolável de “se cortar
para se purificar”. A dor de ouvir uma
história como a nossa é proporcional ao alívio imediato de se sentir mais real,
visível. Como eu, elas se sentiam envenenadas, sujas. Nossos corpos chegavam ao
limite. O sangue que corria livre na veia dos outros, na nossa ardia embaixo da
pele, gritava pra sair. E a dor do corte? Inexistente não seria a palavra
exata. Porque ela está lá. Na mistura estranha de ardência e prazer, como as
unhas que coçam uma picada, a mão que corta alivia a dor dilacerando a pele.
A primeira vez que li esse depoimento não
acreditei. Como alguém que parecia imune a traumas e processos auto destrutivos
pudesse passar pela mesma coisa que eu? Procurei ainda mais na internet e achei
outras falas de Angelina Jolie sobre sua experiência com a auto mutilação. No
exemplo dela, conclui que é possível se mostrar vulnerável sem que isso
prejudique a carreira ou até as relações pessoais.
Olhando as tatuagens e as fotos da filmografia de
uma Angelina Jolie suada, armada contra mafiosos e ladrões de tesouros, fiquei
com uma coisa na cabeça… As “bad girls” sempre se cortaram na adolescência ou
meninas que se cortam viram “bad girls”?
Foi quando, quase que sem pensar, digitei no Google
“celebridades que se auto mutilam”. Logo na primeira página das imagens, um
rosto jovem, inocente e de traços
latinos me lembrou de algumas amigas da escola e até, porque não, de mim
mesma, só que mais nova. Quem diria… Demi Lovato, a queridinha da Disney,
coleciona troféus e cicatrizes. A premiadíssima atriz teen, começou a se cortar
com 11 anos.
“Era uma maneira de expressar a minha vergonha, de
mim mesma no meu próprio corpo. Era como combinar o que se passava dentro de
mim com o meu corpo físico, o lado externo. As vezes minhas emoções estavam tão
a flor da pele que eu não sabia o que fazer. A única forma de alívio rápido era
descontar em mim mesma.”
São muitas as celebridades que vivem intensos
transtornos psicológicos, mas ainda são poucas que usam suas experiências como
instrumento de transformação. Se todas elas pudessem dividir suas histórias com
o grande público, nós teríamos ao nosso alcance uma arma poderosa: a
visibilidade.
Hoje eu vejo o quanto precisei de informações e
algum tipo de ajuda. Por muito tempo, não tive acesso ou não sabia como
encontrar. Talvez isso tivesse feito alguma diferença no meu processo de cura,
mas acredito que hoje, depois de ser protagonista e espectadora, eu possa com
minha experiência, ajudar algumas pessoas que passam pelo mesmo problema.
Fiquei impressionada com o número de mulheres que
me contaram sobre episódios de auto mutilação: três em cada cinco mulheres
disseram ter se cortado com objetos pontiagudos, provocado queimaduras com
cigarro, perfurações, arranhões e auto espancamento. Esses atos tomaram lugar,
na maioria das vezes, na adolescência. Nesse grupo, pelo menos uma ainda repete
esse comportamento na vida adulta. Em mais de um artigo sobre o tema, li que a
repetição compulsiva e frequente da auto mutilação é um fator de risco e pode
levar ao suicídio.
Um dos depoimentos mais impressionantes que me fez
questionar ainda mais a falta de visibilidade, foi o de uma menina de 20 anos,
que falou com lágrimas nos olhos:
“Aconteceu pela primeira vez quando eu tinha oito
anos. Eu estava deitada no sofá da sala vendo TV, quando meu irmão mais velho
deitou do meu lado, apertou minha cintura [eu fiquei imóvel imediatamente], em
seguida esfregou suas pernas nas minhas, deslizou suas mãos para o meu rosto,
segurando com brutalidade e
me forçou um
beijo na boca que pareceu ter durado uma eternidade. Permaneci ali, sem poder
me mover ou falar qualquer coisa. Quando ele se levantou, ajoelhou do meu lado,
pegou uma mecha do meu cabelo, arrancou com força, cheirou com um sorriso no
rosto e saiu. Desde então [como autopunição], sinto necessidade de me cortar e
me queimar para aliviar essa angústia que rasga meu peito como uma lâmina.
Tenho vergonha de mim mesma.”
Não sou profissional de saúde mental mas algumas
coisas parecem ter ajudado muitas meninas que conheço. Por exemplo, é
importante admitir que algo está errado pra depois dividir a experiência com
alguém de confiança. Se não conseguir falar, escrever também é uma boa maneira
de começar, identificando o que dispara a vontade de se ferir, que situações ou
sentimentos intensos a fazem sair do controle etc. A partir daí, o ideal seria
procurar ajuda profissional.
Há muitos psicólogos e psicólogas aptos a lidar com
diferentes questões emocionais, você só precisa encontrar alguém de sua
confiança e se sentir a vontade para falar sobre seus problemas.
Criar grupos de ajuda mútua, conversar com pessoas
que tiveram o mesmo problema, contar com a ajuda de amigos e familiares é
importantíssimo.
Lembre-se: você não está sozinha.
autora desconhecida
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